O facto de alguém se matar não é errado, da mesma forma como alguém não se matar também não é errado. Isso pode parecer confuso, mas decorre do simples fato de que moral não existe. Isso pode parecer estranho, mas pode ser explicado facilmente da seguinte forma: valores não existem. Isso pode, agora, parecer ilegal, mas não se pode alegar a inexistência das leis, visto que estão devidamente e concretamente registadas – em blocos branquinhos de celulose ecologicamente correcta fatiada em dimensões e gramaturas oficiais – na forma de símbolos linguísticos tradicionais da cultura vigente no espaço geográfico dominado por certa população de hominídeos civilizados. Livros dessa natureza dizem, baseados em valores que não existem, o que não podemos fazer se nós, que não somos livres, quisermos permanecer livres – isto é, obedecer do lado de fora da cadeia. Sua finalidade última é determinar, geralmente em Times New Roman tamanho 12, os parâmetros para a vida em sociedade, ou seja, para a moral, para o bem... [inutilia truncat] O raciocínio circular pára aqui – se alguém quiser continuar rodopiando legalmente em filosofias relativistas até induzir o vómito, nihil obstat. Isso pode parecer estranho, mas podemos negar sua existência com um porém concreto: não existem leis, mas somente comportamentos legislados. Morrer ou se matar, apesar de corresponderem à mesma realidade objectiva, são coisas distintas subjectivamente. Se o suicídio fosse errado em si mesmo, ao cortarmos os pulsos, o sangue, em vez de jorrar, nos daria uma lição de moral. A morte não é moralmente condenável apenas por ser biologicamente inevitável. Portanto, se matar não é errado, mas está errado, e isso basicamente se explica assim: um macaco manda, o outro treme. Que general permitiria que seu exército se matasse antes da guerra? Aquele que não tem poder de sê-lo, visto que é impossível um general sem exército. A lógica da moral contra o suicídio tem duas faces: os líderes o proíbem para poderem continuar no controle, como sempre foi, visto que, mesmo depilados, permanecemos uma macacada hierárquica. Mas por que os controlados, quotidianamente, anonimamente, seguramente, proíbem-se uns aos outros o suicídio? Pelo mesmo motivo que há denúncias anónimas de roubo de chocolate no supermercado. Como são proibidos, mas não podem se vingar da opressão de seus líderes – e essa impotência lhes corrói –, a vingança se desvia para seus iguais: – punam todos os imorais, todos os criminosos de si mesmos, todos os monstros covardes que fizerem o que não posso fazer, que realizam a paz que não posso ter! Formigas orquestradas, dividindo a labuta de carregar folhas de civilização ao formigueiro. Se houvesse três carregando uma folha, mas uma delas a soltasse, aumentando o esforço das outras duas, estas encarnariam prontamente, cheias de rancor e inveja, aquilo que mais detestam: e a oprimiriam até que se tornasse tão desgraçada quanto elas próprias, e continuasse a carregar a folha indefinidamente, rumo a uma morte natural. Essa é a outra face da moral contra o suicídio. Uma miséria de escravos democráticos. Há excepções, mas estão no corredor da morte.
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