sexta-feira, 21 de setembro de 2007

O Pai e a Família

«Foi em volta do velho tronco a arder que os primeiros homens, impelidos pelo inverno e pela noite, se reuniram em fraternal convívio, criando-se aquele ambiente de mútua simpatia que é o doce alvorecer da vida social.
Na carícia do lume, na confiança inspirada pelo número, as primeiras almas entreolharam-se, já sob o dominio identidade natural que as casava.
O fraterno amor nasceu com a chama protectora do velho tronco a arder, no gelo dos meses invernosos e das trevas primitivas. Ainda hoje, ao canto da lareira, nas noites de Dezembro, sentimos o calor alegre do lume dar aos nossos nervos irritados pelo frio, aquela domesticidade que outrora, no mais negro Passado, alumiou o indeciso nascer da Humanidade. A mulher casual tornou-se a companheira, e o homem viu formar-se o primeiro núcleu humano, onde a sua pessoa individual começou a romper os seus limites egoístas.
Era já o Pai e a família, o alicerce eterno de uma Pátria, a origem eterna da Arte, da Poesia, da Ciência, da Agricultura, da Indústria, da Civilização, enfim.


O bom português deve cultivar a sua vida de Família.

O "pater familias", o Pai, é já, na verdade, um ser que excede o indivíduo. A sua existência sobe de natureza enquanto sintetiza a tradição e a esperança da Família. Traduz, numa unidade moral, a vida da Esposa e dos Filhos, de modo a tenderem todos para um mesmo fim superior e nobre, pelo culto das virtudes dos Antepassados e pelo trabalho criador do futuro.

O Pai é já um ser espiritual, e a Família deve constituir uma pequena Pátria. Não tem ela as suas tradições e aspirações? E tem a sua alma, a sua personalidade própria, a sua raça, enfim.

Por isso, deveria, como Pátria, estar ligada indossoluvelemente a um certo território, a um certo país com a sua capital, a velha casa, entre as velhas árvores, onde o Pater, o Chefe do pequeno Estado, viveria, sob a sombra tutelar de venerandos Fantasmas avoengos.

Essa terra e a sombra dos Avós formariam a base pepétua da Família. Suceder-se-iam, sobre essa terra, as gerações, deixando, nela, quais memórias, o seu amor e o seu trabalho, corporizados em obras novas, em acréscimo de riqueza.»

Teixeira de Pascoaes